sábado, 1 de dezembro de 2012

COTIDIANO

A pressão psicológica da várzea na enchente

Professor Eládio Carneiro, a cobra e Roseane assustada
Por: Eládio Delfino Carneiro Neto
  
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uarta-feira, 23 de abril de 2008. Algumas ocorrências inusitadas foram anotadas por nós nesse dia. Estamos cumprindo o primeiro módulo do ano letivo de 2008 na Vila do Aritapera, localizada na região da várzea santarena.
A equipe do SOME é formada pelas professoras Josilene dos Santos Carvalho (Letras), Rita Angélica Pimentel Lourido (Letras) e nós.
Acostumados aos reveses da vida, facilmente nos acostumamos as mais diferentes situações do dia a dia, mas as caras colegas não estão acostumadas. Por isso, com certeza nesse dia sofreram a pressão psicológica, por conta do medo gerado pelo dia-a-dia da várzea, na época da enchente.
A casa que nos serve de moradia fica situada no terreno mais alto da Vila e é um dos últimos a ser coberto pelas águas. Por conta disso, diversos animais, entre jacurarus, mucuras, formigas, carieiros, macacos, sapos, jacarés, cobras, gaviões, garças etc. procuram o local para se abrigar.
O dia iniciou com um barulho oriundo da cozinha, que nos despertou. No relógio eram 1h30 da manhã. Devagar levamos a mão rumo a uma cadeira, colocada estrategicamente perto de nossa rede, para qualquer eventualidade que possa ocorrer.
Na escuridão apalpamos o assento em busca da lanterna. De posse do objeto, lenta e cuidadosamente focamos o assoalho da palafita. Em seguida levantamos da rede e de pé em pé dirigimo-nos para o local de onde veio o ruído.
Chegamos à cozinha. Lá uma grande balbúrdia. Garrafas de plástico espalhadas pelo chão. Latas com as tampas de plástico ruídas. Comida mexida, esparramada pelo chão.
Há três semanas que tentamos apanhar uma mucura, que insiste em perambular e desarrumar o local em busca de alimentos. Não foi desta vez. Ladina, a mucura se escondeu embaixo do assoalho ao perceber nossa presença. Voltamos à rede e ao sono.
Por volta das cinco horas levantamos novamente. Desta vez foi para a tradicional urinada da manhã. Lentamente abrimos à porta da casa. Fomos até a ponte improvisada. Mijamos.
No horizonte, os primeiros raios do sol iluminavam o dia. Abrimos à portinhola da varanda e andamos rumo à mesa de refeição. Então, um grande susto tomou conta de nós. Uma jiboia pronta para o bote nos espreitava. Rapidamente corremos até a cozinha em busca de algo, em que pudéssemos aprisionar o animal.
Encontramos uma bacia de plástico e voltamos para prender o ofídio. Com cuidado acercamo-nos do animal. Este percebendo nossa presença preparou o bote. Fomos mais ágeis. Prendemos a jiboia.
Esperamos as professoras Josilene e Rita acordarem, pois pretendíamos registrar a cena e lhes mostrar o belo animal. Estas, logo que souberam do ocorrido, receosas e amedrontadas acercaram-se da varanda.
Josilene, de longe fotografou o animal. Depois providenciamos a sua transferência para uma prisão provisória, improvisada numa garrafa “pet” de 1,5 litros, pois nossa intenção era devolver o animal à natureza, num local distante de casa.
Depois do café, saímos para pescar. Quando voltávamos da pescaria, avistamos um aceno insistente e nervoso, que nos chamava a atenção. Era a professora Josilene. Apressamos a remada. No pensamento: “a cobra fugiu”.
Não era nada disso. Ao entrarmos na casa, com a lanterna na mão a cozinheira Maria Roseane Rêgo Amorim iluminava a parte de baixo do assoalho, por uma fresta. As professoras Rita e Josilene apavoradas reclamavam da insegurança da casa, pois ali havia mais uma cobra.
Rapidamente providenciamos uma faca para sangrá-la, através da abertura entre as tábuas. Ao perceber nossa intenção o animal fugiu.
Depois do ocorrido, fomos providenciar a feitura do fogo para preparar o almoço, pois a cozinheira assaria no carvão uma galinha. Saímos em busca de um tijolo, na parte do terreno ainda não inundada pela enchente, para servir de base para a grelha.
Ao movimentarmos a cerâmica, uma cobra surucucu saiu sorrateira e fugiu para o matagal. Era a terceira cobra do dia. Passado o susto voltamos aos afazeres.
Nós corrigíamos provas. De vez em quando espiávamos pela janela a cozinheira, que abanava o fogo, pois a galinha estava custando a assar. De repente, um grito despertou nossa atenção.
Era Roseane, assustada com uma cobra que quase lhe picava. O barulho chamou a atenção das professoras, que chegaram a tempo de ver o animal enfiar-se por baixo de uma pedra e desaparecer.
O psicológico das professoras baixou. Era cobra demais para um só dia. Pensaram até em dormir em outro local.
Na parte da tarde fomos ministrar as aulas. Como trabalhamos apenas quatro tempos, voltamos para casa mais cedo.
Ao chegarmos, voltamos novamente a olhar pela fresta, para verificar se o animal tinha voltado para o seu covil. Ele estava lá.
Prontamente saímos atrás de uma faca para sacrificá-lo. Desta vez acertamos-lhe uma certeira estocada nas costas. Só que, ao olharmos atentamente pela brecha, percebemos que não era uma cobra, mas sim um jacuraru.
Ao chegarem da escola, as professoras ficaram mais calmas, ao saberem que era um jacuraru, mas mesmo assim a noite transcorreu e de vez quando percebíamos os focos das lanternas, iluminando a cumeeira da casa.
Eram as professoras com o psicológico abalado, receosas e insones, com medo de cobras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Camarada Eladio, nas coisas nas ilhas de Abaetetuba as coisas não são muito diferentes.Eu mesmo quase já fui picado por uma Jararaca dentro de casa. Infelizmente ainda estamos expostos a esses perigos.
Professor Óberti Mesquita