sexta-feira, 11 de novembro de 2011

OPINIÃO

A NECESSIDADE DA GREVE
Texto que pretendo ler na assembléia dos trabalhadores da rede estadual de ensino, a ser realizada hoje, às 16 horas, na escola "Onésima Pereira de Barros".
Aroldo Eduardo Athias Rodrigues
 
Saudações a todos os irmãos e irmãs de luta aqui presentes. Gostaria de expor através deste texto alguns argumentos que me colocam a favor do movimento grevista. O primeiro argumento brota de minha própria experiência de vida, afinal, embora a leitura seja um instrumento de esclarecimento importante, a vivência também o é.
Algumas vezes, questionava a mim mesmo se o que me conduzia para o movimento grevista não era o impulso, o calor da situação, pois parece não ser sempre a reflexão, mas, algumas vezes, esse ímpeto de estar fazendo frente ao governo que motiva alguns colegas e porque não nós mesmos? E mesmo durante o movimento, questionava-me se não estava adotando uma postura radical ao extremo. Além disso, perguntava-me, por que somente a greve? Por que não adotamos outras formas de luta, já que sabemos que as greves não têm a mesma eficácia na área da educação que têm em outras áreas que afetam o governo através da questão econômica? Pelo contrário, o governo economiza giz, pincel, luz, água e diversos outros gastos. Foi com este pensamento que resolvi não aderir ao movimento grevista ano passado, mesmo sabendo que a luta pelo PCCR era justa e digna, contrariando a decisão da assembleia, só aderindo ao movimento grevista quando percebi que insistir em dar aula seria insistir em uma farsa, já que os próprios alunos já não estavam mais frequentando a sala de aula. Foi minha forma de protestar contra a nossa passividade diante dos problemas que a escola vem enfrentando no dia-a-dia: infraestrutura precária das escolas (salas de aula sem quadro, falta de carteiras, goteiras no teto, paredes rachadas, ventiladores e escolas caindo), aulas de 30 minutos, professores comprando seus materiais de trabalho, falta de professores, falta de planejamento e de tempo para isto.
Entretanto, minha forma isolada de protesto em nada melhorou o dia-a-dia da sala de aula, pelo contrário, me fez perceber que, infelizmente, a greve se tornou a última forma de resistência dos profissionais da educação contra os abusos do governo. Insisto, não é a única nem a melhor forma de luta, mas entre não me manifestar de maneira nenhuma e mostrar que ainda estou vivo, prefiro escolher a última opção. Por isso, hoje posso afirmar com convicção, adquirida por meio da experiência, que quando faço parte de um movimento de greve, o faço porque refleti, e não porque fui levado pelo impulso ou pela irresponsabilidade. Muito pelo contrário senhoras e senhores, irresponsabilidade é não grevar. Quem não greva, enfraquece o movimento, tornando inútil todo prejuízo que a greve ocasiona para o aluno, quem insiste em dar aula no período de greve não tem respeito pelos alunos ou os prejudica pensando ajudá-los, pois o obriga a ir até a escola para assistir apenas algumas aulas, sem se preocupar com o grande número de alunos que deixam de assistir as aulas em função da greve, quem não greva age de maneira individualista, desprezando a decisão da coletividade. Ouso afirmar que não mais será preciso grevar quando durante o período das aulas nos recusarmos a aceitar entrar numa sala sem quadro ou sem carteiras para todos os alunos, quando nos recusarmos a comprar o próprio giz ou a tinta para nossos pincéis, ou mesmo os próprios pincéis e apagadores, quando nos recusarmos a fazer coletas para garantir algumas melhorias na escola que está quase caindo, pois isso é função do governo e não nossa, quando pararmos de inventar notas fictícias e garantirmos que a promoção de um aluno de um nível de ensino para o outro é resultado dos conhecimentos que ele possui e não de uma política governamental que visa proporcionar números positivos sobre a educação e não o verdadeiro acesso ao conhecimento que liberta.
Outro argumento que se levanta contra a greve é o de que nossas greves fundamentam-se basicamente em questões salariais e que atingida esta conquista as outras causas são deixadas de lado. Quem se atém a este discurso esquece-se de que desde 2009 o SINTEPP entrou com uma representação junto ao Ministério Público Estadual por causa da falta de infraestrutura de nossas escolas, denunciando nossas péssimas condições de trabalho e que as greves revelam-se como mais um instrumento de denúncia contra tal situação. De fato, se o governo nos pagar o piso, eu retornarei e creio que também vocês retornarão, mesmo que ele não confirme a promessa de reformar todas as escolas, de colocar em atividade todos os laboratórios e bibliotecas e de garantir livros didáticos para todos os nossos alunos, nós retornaríamos, não sejamos hipócritas de dizer o contrário, mesmo para os nossos alunos e seus responsáveis. Ora, dirão então os que sustentam que nossa greve é meramente motivada por questões financeiras, estamos certos, vocês são mercenários, não trabalham por amor, por vocação. E eu responderei a eles, sim o foco de nossa greve é salarial, e, desta vez, vai além, é pelo cumprimento da lei. Contudo, suponhamos que nossa greve fosse unicamente motivada por questões salariais, não faz jus o bom trabalhador a um bom salário? E o professor deve dar aulas por vocação? Se sim, então que façam o mesmo os que têm vocação para carpintaria, os que têm vocação para medicina, os que têm vocação para a advocacia, os que têm vocação para legislar, nosso governador, seus assessores, porque em toda parte encontramos pessoas com vocação para algum tipo de trabalho. Porém, o bom profissional não é aquele que se limita a ter vocação, ou potencial, mas aquele que busca incessantemente melhorar suas qualificações pelo estudo individual ou por participação em formações, as quais bem poucas ao profissional da educação são oferecidas. Digo mais, a melhoria salarial pode implicar sim na melhoria da qualidade da educação, desde que acompanhada de políticas educacionais adequadas como a destinação de tempo remunerado significativo fora da sala de aula (a famosa hora-atividade) e a realização de concursos públicos que contemplem a quantidade de profissionais necessários para bom funcionamento da escola. Se o bom professor não receber um bom salário fará outro concurso público, passará e deixará de ser professor, a escola perderá um bom profissional. Se o bom professor não receber um bom salário será obrigado a assumir uma carga horária desumana e não terá tempo de planejar suas aulas, elaborar um processo avaliativo satisfatório e reunir-se com colegas para planejar um trabalho interdisciplinar, e a escola perderá um bom professor. Assim, meus caros, garantir um bom salário para o professor não é condição suficiente para garantir a melhoria do ensino, mas é sim uma condição necessária. Quando um aluno disser para você: Professor, por que você está grevando? O senhor anda de carro! Responda: Deve o professor andar de carroça? Quando disser para você: Meu pai ganha menos que o senhor. Responda: Mas sou eu quem deveria ganhar menos ou ele que deveria ganhar mais?
Senhoras e senhores, argumentando ainda apenas sobre a questão salarial, gostaria que me acompanhassem nos seguintes cálculos: Dou aula, em média, para 3 turmas por dia, isto porque estou recebendo uma bolsa de mestrado que me permite reduzir minha carga horária, que é de 195 horas mensais. Suponhamos que cada turma tenha 30 alunos que nunca faltam (isso evidentemente é uma anedota). Logo dou aula para 90 alunos por dia. Supondo que trabalhasse 20 dias em um mês e admitindo que cobrasse de cada aluno R$ 2,00 por dia pela minha aula, então meus alunos me pagariam um salário de R$ 3.600,00. Pergunto-vos, é esse o valor que vos é pago? Se não, então recebemos menos de R$ 2,00 por nossa diária, ou seja, menos que uma diarista. Quero ainda que notem não apenas o quanto fui benevolente
para com o governo nos cálculos que realizei, considerando turmas de 30 alunos e 20 dias de trabalho, mas também o fato de que sou professor de matemática, uma disciplina que, por gozar de uma carga horária semanal elevada em relação a outras disciplinas, permite-me ter um número menor de turmas, pensem o quanto deveria receber um professor de filosofia.
Há ainda os que argumentam contra a greve apontando para a falta de consciência dos colegas que fazem do período da greve um período de férias. Não invejemos tais colegas ou queiramos proceder como eles, lembremos do que nos ensinou Jesus, muito se pedirá a quem se tiver muito dado, quer dizer, se nos foi dado um nível de consciência que nosso colega ainda não foi capaz de atingir e agimos como ele, então a cobrança sobre nós será maior. Não nos incomodemos pelos ganhos que terá a nossas custas, melhor vivermos todos em um mundo melhor em que poucos lutam do que em um mundo de mazelas em que ninguém se manifesta. Isso não nos isenta, contudo, da obrigação de advertir tais colegas e chamá-los também à responsabilidade, pois sua omissão põe em risco nossa causa e trará consequências que recairão sobre todos. Porém, façamos essa chamada com carinho, pois ele é nosso irmão, não nosso inimigo, a nossa causa é também a causa dele, e devemos fazê-lo perceber isso, respeitando entretanto as diferenças de convicção e experiências de vida que há entre todas as pessoas.
Porém, como já disse, há também fatores que apontam para a necessidade desta greve em especial, fatores de ordem maior, que transcendem questões econômicas. Trata-se da defesa do próprio regime democrático, trata-se do cumprimento da lei. Vivenciamos há algumas décadas um regime ditatorial, a ditadura militar, e certos acontecimentos desta greve me fizeram relembrar das narrações que minha professora de história fez deste período. Pergunto-vos: seremos nós que abriremos o precedente para a instauração de uma nova ditadura, uma ditadura civil? Estamos em uma situação bem mais confortável hoje do que nossos compatriotas que vivenciaram a luta pela justiça no período da ditadura militar, porque a lei pesava contra eles. Hoje, contudo, a lei pesa a nosso favor, não podemos ser fracos, não é hora de ceder às pressões, haja vista que temos o Supremo Tribunal Federal a nosso favor, pois se formos capazes de fazer com que nosso grito chegue até o ouvido de tais juízes, não é possível que sejam contra nós, porque se assim o fizerem estarão sendo contra eles próprios, visto que não podem ir contra a lei que eles mesmos corroboraram. Lá é que reside o clímax desta greve, e é por medo de que nossa voz lá ecoe que o governo está se servindo dos instrumentos da ditadura para nos coagir e jogar irmão contra irmão. Ameaçando prender aqueles que, como a digníssima coordenadora deste sindicato, não se deixam intimidar pelas ameaças, nem corromper pelas propostas imorais este governo.
Disse anteriormente que me policiava para não tomar, durante o movimento grevista atitudes radicais ao extremo, porém compreendo que há momentos em que tais atitudes se fazem necessárias, afinal, há postura de equilíbrio entre o nazismo e o amor ao próximo? Não, deve-se amar o próximo, sem buscar meio termo. Assim, a atitude do governo exige de nós também uma postura radical, a lei vale para todos e não podemos flexibilizar para o governo o cumprimento da lei. Assim, lembrando que a lei do piso data de 16 de julho de 2008, gostaria de encerrar este texto lendo para vocês, senhoras e senhores, o artigo 8º desta lei, a linha que o governador Simão Jatene, por alguma razão desconhecida por nós, esqueceu-se de ler e continua insistindo em não ler: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
A todos vocês, muito obrigado por vossa atenção.
Santarém, 11 de novembro de 2011.

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